Ambiente da fé: o local físico da devoção afeta a experiência individual?
Famosa pela grandiosidade do Santuário Nacional, cidade de Aparecida apresenta também o contraste com a simplicidade da Basílica Histórica
Por Rafa Bitencourt

Romeiros em visitação ao Santuário Nacional da Conceição Aparecida. | Foto: Rafa Bitencourt
Segundo dados divulgados pelo Santuário Nacional de Aparecida, no interior de São Paulo, na semana do dia 12 de outubro deste ano, dia da Padroeira do Brasil, a Basílica recebeu mais de 320 mil fieis. Apenas uma parcela do total, já que mais de 10 milhões visitam o local todos os anos.
Como mostram os números, o Santuário Nacional recebe devotos se deslocando dos mais diversos lugares do país e até do mundo para estarem presentes na casa da Padroeira, muitas vezes enfrentando longas distâncias, tanto de avião, como de carro, bicicleta, e até mesmo a pé – buscando pagarem promessas, ou, apenas, vivenciarem a energia do lugar considerado sagrado por muitos.
Mesmo com toda essa movimentação, a maioria das visitas acontece de maneira sazonal. Como muitos fiéis vêm de locais mais distantes, o Santuário acaba sendo um ponto de visita normalmente de uma vez por ano. Assim, para esses, a forma de manter viva sua devoção é praticando sua fé em igrejas em seus próprios municípios, vivenciando, talvez, um outro tipo de sentimento e sensação quando comparado a imponência de Aparecida.
Por mais que grandes templos possam oferecer uma estrutura mais que qualificada para atender a todos os visitantes, esse sentimento de acolhimento e de pertencimento pode variar de pessoa para pessoa mesmo diante desses fatores. Angela Maria Della Croche visitou pela primeira vez a Basílica Histórica de Aparecida, mesmo já conhecendo o Santuário – a metros de distância. “Aqui é mais aconchegante, parece que aproxima mais, quando é muito grande parece que não tem essa coisa mais humanizada. Os detalhes, senti mais emoção aqui do que lá na outra [o Santuário Nacional]. Lá é mais frio, aqui eu me senti mais acolhida, talvez por eu gostar desse estilo, desses detalhes, lá não tem isso”, conta, emocionada.
Por outro lado, o devoto de Nossa Senhora Aparecida Eliton José de Paula Andrade, é frequentador assíduo de sua Paróquia em São Luiz do Paraitinga, a de São Luís de Tolosa. Ele, por exemplo, conta a diferença que sente em entrar em sua Paróquia e em ir até a Basílica de Aparecida. “É diferente de você entrar em uma Capela e entrar na Basílica, é diferente porque impressiona, tem as pessoas, tudo isso acaba mexendo com as emoções, é algo que só quem teve lá sabe descrever esse sentimento, é como se estivesse esperando muito tempo para chegar na casa de alguém”, conta.
Os depoimentos de Angela e Eliton levantam um ponto importante sobre a devoção. O lugar onde a fé é praticada interfere na experiência individual da religião?
História
Para quem é de Aparecida, não é incomum ouvir que o Santuário Nacional seja chamado de ‘Basílica Nova’. A imagem de Nossa Senhora foi encontrada em 1717 por pescadores da Vila de Santo Antônio de Guaratinguetá – o território de Aparecida, como cidade, só foi desmembrado no século XX. Logo em seguida, após ser atribuída a um milagre na pescaria, passou a ser louvada na residência de um deles, Filipe Pedroso.
Até 1732, a santa ficou sob seus cuidados, até transferir essa responsabilidade para seu filho, que construiu um oratório simples, pequeno, mas aberto para a população. Assim, com o aumento das visitas, oito anos depois a primeira igreja foi construída. Uma capela de pau-a-pique foi erguida na região do Porto Itaguaçu, próximo a onde a imagem foi encontrada, às margens do rio Paraíba do Sul.
No ano de 1743, Padre Vilella, vigário de Guaratinguetá, deu início a construção de uma nova capela em homenagem a Nossa Senhora, localizada no morro dos Coqueiros. Com aprovação do Bispo do Rio de Janeiro, no ano de 1745, a imagem foi levada da Capela do Porto Itaguaçu para a nova capela do Morro dos Coqueiros, tendo sua primeira missa celebrada com a imagem da santa no dia 26 de julho do mesmo ano.
No entanto, o crescimento no número de romeiros fez com que a capela necessitasse de reformas e de obras de ampliação. Até que, em 1844, a Igreja ganhou um novo projeto, concluído em junho de 1888 e com a inauguração do que hoje é a Basílica Histórica – ou ‘Basílica Velha’, para os nativos.
Quase 60 anos depois, tendo em vista o aumento expressivo no número de devotos, foi lançada a pedra fundamental para a construção do novo Santuário, no Morro das Pitas, em terreno bem próximo. As obras iniciaram em setembro de 1955 e, em 1980, o Papa João Paulo II consagrou o novo santuário. Dois anos depois, a imagem de Nossa Senhora chegou em definitivo para a Basílica Nova, sendo declarada oficialmente a Basílica de Aparecida como Santuário Nacional em 1984.

Romeiros em visitação ao Santuário Nacional da Conceição Aparecida. | Foto: Rafa Bitencourt
Espaço para Devoção
Com o surgimento da Basílica, a cidade de Aparecida, em conjunto com o Santuário, passou a ser um local de referência da fé no país. O alto investimento na construção do complexo e a busca constante por melhorias, uniu o turismo e o acolhimento aos fiéis em um só lugar. Mas para isso foi preciso erguer um ambiente que pudesse alocar os devotos e trazer a sensação de pertencimento, um papel muitas vezes complexo, pelo grande número de pessoas que frequentam a igreja todos os dias.
O padre Helder José, do Santuário, explica que o intuito inicial não foi causar a repercussão que a Basílica proporciona hoje, mas sim, em acolher os devotos. “[O Santuário] não foi construído no sentido de causar impacto, foi construído, na verdade, no sentido de acolher, de oferecer acolhida. Tanto é que essa construção, ela foi passando por ajustes [ao longo do tempo]. Não havia, por exemplo, o subsolo que nós temos hoje, onde tem a Casa do Pão, o estúdio da TV Aparecida, o salão de encontros, a Sala das Promessas, não havia. Foram vendo necessidade e organizando o espaço para que os visitantes se sintam acolhidos”, conta.
O representante do Santuário destaca que as obras de acabamento posteriores, que existem dentro do Santuário, foram bem mais planejadas, como, por exemplo, os revestimentos feitos de momentos bíblicos, contando a história da devoção à Nossa Senhora Aparecida, além das dinâmicas e da organização pastoral, para que os fieis possam se sentir acolhidos dentro do espaço.
Helder ainda afirma que o espaço do Santuário Nacional, provoca, assim como nas grandes catedrais e igrejas do mundo, uma sensação de contato com o etéreo. “[...] o que a gente ouve muito aqui no Santuário de Aparecida, é como se a gente estivesse num pedacinho do céu. É isso que as pessoas dizem”, ressalta.
Fé Individual
Professor da Unitau (Universidade de Taubaté) e mestre em sociologia, José Maurício Cardoso Rêgo tenta esse aspecto religioso do ponto de vista sociológico. “Você tem na configuração das religiões uma hierarquia que expressa exatamente o compromisso do fiel com a própria religião, então, você tem o cotidiano, que geralmente comporta os pequenos templos, as pequenas comunidades, que são partes da vida comum das pessoas. Então, por exemplo, você vai para uma igreja na sua comunidade, não importa qual seja ela, e você não presta atenção nos detalhes, porque aquilo é trivial, aquilo é comum, banal. Agora, quando você trata dos grandes templos, esses grandes templos, eles funcionam, na verdade, como um atrativo para a potencialização da fé das pessoas”, afirma.
Além disso, o sociólogo explica que todos os grupos religiosos possuem templos que são especiais, que geralmente apresentam condições diferenciadas para a qualificação da fé da pessoa. “Quando a pessoa, por exemplo, vai para a Aparecida pagar uma promessa, só o fato dela estar pagando uma promessa já é algo que está bem acima do cotidiano dela. Então qualquer igreja conseguiria fazer isso? Não. Qualquer templo faria isso? Não. E, teoricamente, os grupos religiosos, eles indicam para os seus fieis quais são esses pontos de referência da fé”, completa José Maurício.
Mesmo diante das escolhas de cada um, todos possuem o mesmo propósito: se conectar com a fé e com seu bem-estar, independente do lugar que esteja.
